O artista (cartunista) angolano Sérgio Piçarra é um dos vencedores da edição 2020 do Prémio franco-alemão dos Direitos Humanos e do Estado de Direito, anunciaram num comunicado as embaixadas dos dois países. Irra, apre, arre, chiça… comentaram os donos do reino e respectivos sipaios.
É a primeira vez (e por vontade dos donos do país há 45 anos será a última) que uma personalidade angolana recebe este prémio, atribuído desde 2016 a pessoas “que contribuíram de modo excepcional para a protecção e promoção dos Direitos Humanos e do Estado de Direito nos seus países e a nível internacional”.
A alergia dos dirigentes do MPLA é compreensível (mesmo fingindo o contrário) pois Sérgio Piçarra – como outros – quer proteger, ou ajudar a nascer, algo que em Angola não existe mesmo: Direitos Humanos e Estado de Direito.
Sérgio Piçarra iniciou a sua carreira na década de 1980 e é hoje o mais reconhecido desenhador e autor de banda desenhada de Angola, e um dos mais prestigiados no âmbito da Lusofonia que, como se sabe, nada tem a ver com esse “elefante branco” a que chamam Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Em 1990, iniciou a sua carreira de cartunista, criando a personagem «Mankiko, o imbumbável» [que não gosta de trabalhar] e que constitui hoje a maior referência de caricatura angolana.
Desde a independência do país, em 1975, Sérgio Piçarra produziu de forma ininterrupta desenhos que retratam a actualidade angolana, publicando hoje os seus desenhos nos semanários Novo Jornal e Expansão.
O cartunista já participou em eventos internacionais como a Convenção Internacional de Caricaturistas Africanos na África do Sul e nas celebrações do Dia Internacional da Liberdade de Expressão do movimento Cartooning for Peace, em Adis Abeba, (Etiópia) em 2019.
“É homenageado pelo seu engajamento pessoal e pelo trabalho que contribui para a promoção da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa e do Estado de Direito em Angola”, adianta o comunicado da organização, acrescentando que a medalha vai ser entregue pelos embaixadores da França e da Alemanha em Janeiro de 2021.
Os outros vencedores desta edição são Issam Younis (Palestina), Sara Seerat (Afganistão), Nare Baré (Brasil), Ll Yuhan (China), Azza Soliman (Egipto), Iuri Alexeievitch Dmitriev (Rússia), Lorna Merekaje (Sudão do Sul), Nayyab Ali (Paquistão), Rosa Anaya (Salvador), Nagham Nawzat Hasan (Iraque), Mathilda Twomey (Seichelles), José António Zambrano Munguia (Honduras), Zoya Jureidini Rouhana (Líbano) e Mária Patakyová (Eslováquia).
Vejamos a opinião de Domingos Kambunji, publicada aqui no Folha 8 no dia 21 de Fevereiro de 2017, sob o título “O melhor a nível mundial”:
«Há alguns anos acompanhamos o trabalho do caricaturista angolano Sérgio Piçarra. Consideramo-lo uma das grandes figuras de Angola. A sua crítica incisiva, mordaz, muito inteligente e construtiva coloca-o no mais alto patamar da actividade que desenvolve, a nível mundial, ainda que a sua principal especialização se concretize principalmente no palco do tecido político-social do nosso país.
Se Angola se encontrasse nos universos politico, social e económico ao mesmo nível em que se encontra a actividade profissional do Sérgio não estaríamos no centésimo quadragésimo primeiro lugar, entre 149 países, em termos de prosperidade e desenvolvimento. Este número reflecte o enorme anquilosamento mental governamental no país das “ordens superiores”, emitidas por seres muito inferiores.
A realidade angolana situa-se em patamares muito aquém no nível que evidencia o Sérgio Piçarra. A situação do país é mais espelhável nos cartoons e nas crónicas de opinião matumbas publicados pelo Jornal de Angola ou nos noticiários sanzaleiros e fanáticos da RNA ou da TPA.
É óbvio que o “re(i)gime” beneficia pelo facto de apresentar um elevado número de cartoons vivos e falantes, caricaturas tristemente cómicas pela ambiguidade e contradição e, sobretudo, pelo analfabetismo sistémico e megalomania parola, como são os casos dos directores dos órgãos de comunicação oficial do “re(i)gime”, deputados, ministros, politólogos matarruanos, governadores e muitos generais: Paihama, Higino Carneiro, João Pinto, Bento Kangamba, Louvalozédu, Tchizé dos Santos, Isabegalinha, Belarmino Van-Dúnen, entre muitíssimos outros. Só estes cartoons vivos do MPLA, anedotas ambulantes, conseguem fazer alguma concorrência aos trabalhos do Sérgio Piçarra.
Os cartoons do Sérgio Piçarra distinguem-se pela inteligência. A as personagens dos cartoons vivos do MPLA destacam-se pela arrogância, petulância e, principalmente, pela ignorância.
Se compararmos as caricaturas do Jornal de Angola com as do Sérgio Piçarra, enquanto as do Sérgio se revelam excelentes, as do Jornal de Angola estão situadas três dedo abaixo de cu de cão, em arte, linguagem e opinião. As caricaturas do Sérgio destinam-se a pessoas inteligentes. As caricaturas do JA destinam-se a gentes subservientes.
É óbvio que o Sérgio Piçarra nunca será humilhado com a atribuição de um dos troféus dos Torneios José Eduardo dos Santos (que vão passar a chamar-se Jôjo Lô), porque se situa num nível intelectual muitíssimo superior.»
Folha 8 com Lusa